A Parábola do Bom Samaritano é uma famosa parábola do Novo Testamento que aparece unicamente em Lucas 10:25-37. O ponto de vista majoritário indica que esta parábola foi contada por Jesus a fim de ilustrar que a compaixão deveria ser aplicada a todas as pessoas, e que o cumprimento do espírito da Lei é tão importante quanto o cumprimento da letra da Lei. Jesus coloca a definição de próximo num contexto mais amplo, além daquilo que as pessoas geralmente consideravam como tal.
Narrativa
25. Levantando-se um doutor da lei, experimentou-o, dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? 26. Respondeu-lhe Jesus: Que é o que está escrito na Lei? como lês tu? 27. Respondeu ele: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua força e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. 28. Replicou-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isso, e viverás. 29. Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? 30. Prosseguindo Jesus, disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de ladrões que, depois de o despirem e espancarem, se retiraram, deixando-o meio morto. 31. Por uma coincidência descia por aquele caminho um sacerdote; quando o viu, passou de largo. 32. Do mesmo modo também um levita, chegando ao lugar e vendo-o, passou de largo. 33. Um samaritano, porém, que ia de viagem, aproximou-se do homem e, vendo-o, teve compaixão dele. 34. Chegando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma hospedaria e tratou-o. 35. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse: Trata-o e quanto gastares de mais, na volta eu te pagarei. 36. Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? 37. Respondeu o doutor da lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe Jesus: Vai-te, e faze tu o mesmo.
Elementos da parábola
Jerusalém
Para as religiões abraâmicas significa “a morada da paz”. É um local histórico associado a religião e privilégio, e uma cidade concebida pelos hebreus para sintetizar a paz oriunda da harmonia com as leis divinas. Segundo a Bíblia Hebraica, Jerusalém é a cidade eleita do Deus judaico-cristão como capital de seu culto e comunhão.
Jericó
Na Bíblia Hebraica, Jericó era a “cidade da maldição” (Josué 6:26). No entanto, era uma bela localidade, graças à sua localização privilegiada e suas palmeiras, que lhe davam um ar de oásis nos desertos levantinos. Mas essa cidade, que estivera debaixo da maldição durante séculos, tornara-se,naquele tempo, um retiro sacerdotal, onde moravam sacerdotes quando não estudavam em Jerusalém, distante aproximadamente 24 quilômetros.
A estrada entre as duas cidades estava situada num vale rochoso e perigoso, que era frequentado por criminosos; portanto, era um percurso temido por viajantes daquela época.
Sacerdotes e levitas, graças ao seu status religioso, nunca eram molestados pelos ladrões que, tamanha era a violência com que assaltavam, fizeram com que aquele vale ganhasse a alcunha infame de Adumim (Josué 15:7, Josué 18:7), que quer dizer Vale do Sangue ou Passagem do Sangue.
Josefo nos conta que um pouco antes de Cristo haver narrado essa parábola, Herodes demitira 40 mil trabalhadores do templo, e muitos deles se tornaram salteadores, assaltantes e latrocidas, e o Vale do Sangue era particularmente querido por causa das curvas fechadas e rochedos e grotas na beira da estrada, que facilitavam emboscadas.
Foi por essa estrada infestada de criminosos que viajava “um certo homem”, descendo de Jerusalém para Jericó. Jesus não conta quem ele era. Provavelmente um mercador judeu. É possivel que tenha acontecido uma tentativa de latrocídio como aquele recentemente, e Jesus, ao tomar conhecimento do fato, aproveitou a história para aplicá-la num ensinamento. É também provável que os latrocidas já estavam observando e seguindo o viajante há um tempo e, por isso, sabiam quem ele era e o que fazia: e concluíram que era alguém que andava com muito dinheiro. Então, armaram uma emboscada contra ele e o amarraram. Roubaram-lhe tudo o que tinha e vestia, de forma cruel e completa, espancaram-no violentamente e o deixaram exaurido e semiânime na beira da estrada, para que falecesse no ermo daquele local inóspito. Após o saque, partiram acreditando que nenhum outro viajante fosse passar exatamente naquele local da estrada, deserta e perigosa, a tempo de salvá-lo.
Neste ponto, Jesus começa a dar seu toque crítico à parábola, questionando a moral do sacerdócio hipócrita e dos legisladores corruptos daquela época, ao frisar que indivíduos respeitados e importantes naquela sociedade (como os eruditos e os levitas) passaram próximo ao homem, viram-no estirado e agonizado, mas fingiram não ver e seguiram reto, sem prestar nenhum socorro.
Doutor da Lei (vv. 25)
Dentre as elites criticadas por Jesus Cristo na parábola estava um “doutor da lei”, os especialistas na Torá. Chamado de nomikós no coiné original, que se traduziria por “advogado” num contexto não-judaico, na Bíblia Cristã se refere a um perito na lei judaica, tanto na Torá escrita quanto na tradição oral (a Tradição dos Anciãos mencionada em Marcos 7:2-4).
Sacerdote
O sacerdócio levita era uma casta de indivíduos com direitos e deveres especiais na sociedade judaica, deveres que incluíam agir com compaixão até para com animais (Êxodo 23:4-5). É descrito como um homem de aparente soberba por ser consagrado a Deus que, provavelmente após ter cumprido o seu turno no serviço do templo, estava voltando para casa em Jericó, por ser um dos doze mil sacerdotes que moravam e estudavam lá. Assim como o doutor da lei, que incluía um dos ouvintes para quem Jesus proferiu esta parábola, o sacerdote preferiu não arriscar saber se era mesmo um cadáver, e também foi embora sem prestar socorro.
É possível que a mênção do sacerdócio seja também uma crítica de Jesus ao mandamento levítico que declarava impuro quem tocasse em qualquer coisa morta (algo muito comum naqueles dias), e obrigava a pessoa a ficar vários dias de preceito sem poder apresentar nada no templo (Números 19). Essa crítica mostra em parte o engessamento da lei dos profetas e da religião, as quais Jesus estava reformando.
O Levita
Chamado de Levi, era quase certamente uma referência aos descendentes de Levi, filho de Jacó e, portanto, um membro da tribo levita, a tribo eleita para o trabalho ligado ao Templo.
O levita era da mesma tribo do sacerdote, mas de um dos ramos inferiores. Eram acólitos do templo, que atuavam como ministros de culto e intérpretes da lei. Assim como seus colegas anteriores, o levita avistou o homem, mas preferiu passar reto e deixando-o abandonado.
A decisão de Jesus em incluir mais um levita na crítica provavelmente foi para frisar sua crítica às religiões organizadas cujos dogmas e tradições acabam mais por impedir do que permitir virtudes básicas (como a misericórdia) de florescerem nos fiéis, para então fechar seu ensinamento no samaritano, que apesar de ser um pária não só para as elites como para o povo hierosolimita, demonstrou ser o único com o verdadeiro espírito da religião que Jesus idealizava.
O Samaritano (vv. 33)
O último viajante a cruzar com a vítima foi um homem natural da cidade de Samaria (Shomron, em hebraico). Diferente de todos os demais representantes das elites hierosolimitas, que preferiram por trocar de lado da estrada quando avistaram um indivíduo necessitado, o homem de Samaria não “endureceu o coração” diante dele como os outros, e ao invés disso foi ao socorro da vítima, oferecendo-lhe todos os cuidados ao máximo de seus conhecimentos até que sarasse, e pudesse voltar para casa sã e salva.
A mênção de ser especificamente um samaritano não foi desproposital da parte de Jesus.
Por séculos, os judeus de Jerusalém nutriam um ranço e inimizade particular contra os samaritanos. O próprio interrogador de Jesus na parábola, que era ele próprio doutor da lei (vv. 10), provavelmente também tinha preconceito contra samaritanos, que o levassem a deduzir que se um sacerdote e um levita se recusaram a ajudar um necessitado, tampouco um samaritano o faria. O próprio Jesus havia passado por Samaria pouco tempo antes (cf. Lc. 9:51-53). Os samaritanos também não eram considerados puros em termos raciais pelos hierosolimitas, por serem mestiços de judeu com gentio. Por isso, eram odiados e desdenhados pela elite judaica que tinha o sangue integralmente do grupo étnico de Judá. Embora esses dois grupos étnicos morassem próximos uns dos outros, não se consideravam e nem se tratavam como próximos no sentido moral da palavra. A Bíblia de Jerusalém destaca a correlação com II Crônicas 28:9-25 que narra uma situação na qual os samaritanos tiveram misericórdia dos judeus, e por meio de Nota de Rodapé à Lucas 10:33 indica duas passagens para demonstrar que a rivalidade existente na época entre judeus e samaritanos: João 8:48 e Lucas 9:51-55.
Assim, provavelmente na intenção não só de dar uma lição geral como especifica ao doutor da lei que o interrogou, Jesus apresentou o samaritano como a única pessoa que se dispôs a ajudar aquele judeu indefeso, numa estrada solitária e perigosa, encerrando o ensinamento com o homem que ajudou o pobre necessitado sendo exatamente aquele que sua audiência menos esperava que o faria.
Azeite e vinho (vv. 34)
Azeite e vinho eram considerados como remédios.
2 Denários (vv. 35)
Dinheiro equivalente a dois dias de trabalho, literalmente, “salário de dois dias”.
Propósito da parábola
Certo dia um doutor da lei” testou o conhecimento e a autoridade de Jesus com duas perguntas. A profissão de um “doutor da lei” era ocupar-se com a lei mosaica. Ele tinha a função oficial de interpretar a lei e guiar o povo em como relacionar as suas vidas com ela. Quando um judeu tinha alguma dúvida que o incomodasse quanto ao seu comportamento, ele consultava um doutor da lei ou um escriba, para saber o que a Torá dizia sobre aquele assunto. Ao opor-se a Jesus, esse doutor da lei disse: “Mestre, que farei (eu) para herdar a vida eterna?” Ele queria que Jesus o instruísse em como obter a vida em sua plenitude — vida perfeita em todos os sentidos.
Jesus replicou de maneira muito hábil. Aplicou um termo técnico constantemente usado pelos escribas e doutores da lei que, ao consultarem-se entre si sobre algum assunto da lei, diziam: “Como lês tu?” Jesus disse: “O que está escrito na lei? Como lês?” Isso direcionou a conversa novamente para o escriba, e forçou-o a recorrer ao que ele já sabia sobre os mandamentos da lei. E ele então concedeu a única resposta correta e completa que poderia dar, i.e., que tinha de amar a Deus e também ao seu próximo. Jesus o elogiou pela sua resposta e disse: “Respondeste bem. Faze isso, e viverás”. O doutor da lei, por desejar sinceramente mais instruções, perguntou: “E quem é o meu próximo?” Assim ele voltou à segunda parte de sua própria resposta. Ele não tinha dúvidas da existência de Deus e da necessidade de amá-lo com o coração, alma, forças e mente. O que o incomodava era a identidade do próximo a quem ele devia amar. Como doutor da lei, ele pertencia a uma categoria de mestres, os quais diziam que nenhum gentio seria um próximo deles. Como judeu, ele só considerava próximo aquele que pertencesse ao povo da aliança. Somos informados que esse doutor da lei fez essa segunda pergunta sobre o seu próximo, para justificar a si mesmo. Justificar-se com quem? Não com o povo à sua volta, mas com a sua própria consciência. Havia uma suspeita escondida no fundo de sua mente, de que rejeitar um gentio, simplesmente por ser gentio, não era correto e, então, como estrategista, ele procurou jogar a responsabilidade sobre Jesus, que lhe respondeu com essa bela e cativante narrativa, a qual chamamos de Bom samaritano.
Interpretação
Cristo dá o exemplo de um pobre judeu em apuros, socorrido por um bom samaritano. Este coitado caiu nas mãos de ladrões que o deixaram ferido e quase moribundo. Os que deveriam ser seus amigos o ignoraram, e foi atendido por um estrangeiro, um samaritano, da nação que os judeus mais desprezavam e detestavam, com os que não queriam ter tratos. É lamentável observar quanto domina o egoísmo nestes níveis; quantas escusas dão os homens para pouparem-se a problemas ou a gastos em ajudar o próximo. O verdadeiro cristão tem escrita em seu coração a lei do amor. O Espírito de Cristo mora nele; a imagem de Cristo se renova em sua alma. A parábola é uma bela explicação da lei de amar ao próximo como a si mesmo, sem acepção de nação, partido nem outra distinção. Também estabelece a bondade e o amor de Deus nosso Salvador para com os miseráveis pecadores. Nós éramos como este coitado viajante em apuros. Satanás, nosso inimigo, nos roubou e nos feriu: tal é o mal que nos faz o pecado. O bendito Jesus se compadeceu de nós. O crente considera que Jesus o amou e deu sua vida por ele quando éramos inimigos e rebeldes; e tendo mostrado misericórdia, o exorta a ir a fazer o mesmo. É o nosso dever, em nosso trabalho e segundo a nossa capacidade, socorrer, ajudar e aliviar a todos os que estejam em apertos e necessitados.
Esperava-se que os rabinos debatessem questões teológicas em público, e a pergunta que esse escriba (advogado) fez costumava ser discutida com frequência entre os judeus. Foi uma boa pergunta feita por um péssimo motivo, pois o escriba queria fazer Jesus cair numa armadilha. Mas o “feitiço virou-se contra o feiticeiro”, por assim dizer.
Jesus remeteu-o de volta à Lei, não porque a Lei nos salva (Gálatas 2:16, Gálatas 2:21, Gálatas 3:21)), mas porque a Lei mostra que precisamos ser salvos. Não é possível haver conversão verdadeira, enquanto não estivermos convencidos de que somos pecadores; a Lei é o instrumento de Deus para convencer do pecado (Romanos 3:20). O escriba deu a resposta certa, mas não a aplicou a si mesmo nem reconheceu a própria falta de amor, tanto para com Deus quanto para com seu próximo. Assim, em vez de ser justificado, colocando-se à mercê de Deus (Lucas 18:9-14), tentou justificar-se e escapar de sua situação difícil. Usou a velha tática de debate: “Defina esses termos. O que você quer dizer com ‘o próximo’? Quem é meu próximo?”
Jesus não disse que essa história é uma parábola, de modo que é possível tratar-se do relato de um acontecimento real. Jesus corria grande risco ao contar uma história em que os judeus eram apresentados de modo negativo e os samaritanos de modo positivo, e seu relato poderia ser usado contra ele. Um exemplo desse tipo não seria verosímil o suficiente para servir de parábola, de modo que seus ouvintes, inclusive o escriba, entenderam que o facto realmente havia ocorrido. De qualquer modo, trata- se de uma narração realista. A pior coisa que se pode fazer com qualquer parábola, especialmente esta, é transformá-la numa alegoria em que tudo representa alguma outra coisa. A vítima torna-se o pecador perdido, quase morto (fisicamente vivo, mas espiritualmente morto), abandonado à beira da estrada da vida. O sacerdote e o levita representam a lei e os sacrifícios, ambos incapazes de salvar o pecador.
O samaritano é Jesus Cristo, que salva o homem, paga suas contas e promete voltar. A hospedaria é a Igreja, que cuida dos cristãos, e os dois denários são as duas ordenanças, o batismo e a Ceia do Senhor. Ao abordar as Escrituras dessa maneira, podemos fazer a Bíblia dizer praticamente qualquer coisa que nos convenha e, certamente, não encontraremos a mensagem verdadeira que Deus nos deseja transmitir.
A estrada de Jerusalém para Jericó era, de fato, perigosa. Uma vez que os funcionários do templo a usavam com tanta frequência, seria de se imaginar que os judeus ou os romanos tomassem providências para torná-la mais segura. No entanto, é muito mais fácil manter um sistema religioso do que fazer melhorias na vizinhança. Não é difícil pensar em justificativas para a atitude do sacerdote e do levita. (Talvez nós mesmos já tenhamos usado algumas delas!) O sacerdote havia servido a Deus no templo a semana inteira e sentia-se ansioso por voltar para casa. Talvez houvesse bandidos por lá e estivessem usando a vítima como “isco”. Por que se arriscar? De qualquer modo, não era culpa dele que o homem tivesse sido atacado. Por ser uma estrada movimentada, alguém acabaria ajudando o homem. O sacerdote deixou a responsabilidade para o levita que, por sua vez, não fez coisa alguma! O mau exemplo de um homem religioso tem grande poder.
Ao usar o samaritano como o herói, Jesus desconcertou os judeus, pois judeus e samaritanos eram inimigos (João 4:9, João 8:48). Não foi um judeu que ajudou um samaritano; antes, um samaritano que ajudou um judeu que havia sido ignorado por seus compatriotas/ O samaritano demonstrou amor por aqueles que o odiavam, arriscou a própria vida, gastou seu dinheiro (o equivalente ao salário de dois dias de um trabalhador) e, tanto quanto sabemos, jamais foi publicamente reconhecido nem honrado. O gesto do samaritano ajuda a entender o que significa “usar de misericórdia” (Lucas 10:37) e ilustra o ministério de Jesus Cristo. O samaritano identificou a necessidade do homem desconhecido e se compadeceu dele. Não havia qualquer motivo lógico para que mudasse seus planos e gastasse seu dinheiro só para ajudar um “inimigo” necessitado, mas a misericórdia não precisa de motivos. Por ser especialista na Lei, o escriba certamente sabia que Deus exigia que seu povo tivesse misericórdia de estrangeiros e de inimigos (Êxodo 23:4-5, Levítico 19:33, Miqueias 6:8).
Observe como Jesus “virou a mesa” de modo tão sábio em sua conversa com o escriba. Na tentativa de fugir às suas responsabilidades, o escriba havia perguntado “quem é meu próximo?”. Jesus, porém, perguntou: “qual desses três foi o próximo da vítima?”. A grande pergunta – “a quem posso demonstrar misericórdia?” – não tem relação alguma com a geografia, cidadania ou raça. Onde quer que precisem de nós, podemo-nos mostrar disponíveis e, como Jesus Cristo, usar de misericórdia. O escriba quis discutir sobre o “próximo” de modo geral, mas Jesus forçou-o a considerar um homem específico em necessidade. Como é fácil falar de ideais abstratos e deixar de resolver problemas concretos! Podemos discutir coisas como “pobreza” e “oportunidades de trabalho” e, ainda assim, jamais auxiliar pessoalmente a alimentar uma família com fome nem ajudar alguém a arrumar emprego.
É claro, o escriba queria manter a discussão em nível complexo e filosófico, mas Jesus tornou-a simples e prática. Mudou o tópico do dever para o do amor, o debate para a ação. Com certeza, o Senhor não estava condenando debates e discussões, mas só alertando contra o uso de desculpas para não fazer nada. Eleger uma comissão para resolver um assunto nem sempre resolve! Uma de minhas histórias prediletas sobre D. L. Moody ilustra essa ideia. Quando Moody participava de um congresso em Indianápolis, nos Estados Unidos, pediu ao cantor Ira Sankey que se encontrasse com ele às 6 da tarde em determinada esquina da cidade. Quando Sankey chegou, Moody pediu-lhe para subir em um caixote e cantar, e logo um grupo ajuntou-se a seu redor. Moody disse apenas algumas palavras, convidando os interessados a segui-lo até um teatro próximo. O auditório não demorou a lotar, e o evangelista pregou o evangelho para aquela gente espiritualmente faminta.
Quando os participantes do congresso começaram a chegar, Moody interrompeu a pregação e disse: “Precisamos encerrar nossa mensagem, pois os irmãos participantes do congresso vão ter um painel de discussão sobre ‘Como Alcançar o Povo”‘. Touché!
É possível ler essa passagem e pensar apenas no “alto preço de se importar com o semelhante”, mas esse preço é muito mais alto se não nos importarmos. O sacerdote e o levita perderam muito mais com sua negligência do que o samaritano com sua preocupação. Perderam a oportunidade de aprimorar seu caráter e de ser bons mordomos do que Deus lhes dera. Poderiam ter sido uma boa influência num mundo mau, mas escolheram ser um péssimo exemplo. Esse único gesto de misericórdia do samaritano tem inspirado o ministério assistencial em todo o mundo. Jamais se deve considerar tal ministério um desperdício! Deus nunca permite que um ato de serviço feito com amor e em nome de Cristo se perca.
Tudo depende da maneira de encarar a situação. Para os ladrões, o viajante judeu era uma vítima a ser explorada, de modo que o atacaram. Para o sacerdote e o levita, era um incômodo a ser evitado, de modo que o ignoraram. Mas para o samaritano, era alguém necessitando de amor e de ajuda, de modo que cuidou dele. Hoje, Jesus diz o mesmo que falou ao escriba: “Vá e proceda continuamente de igual modo” (tradução literal).[4]
H. T. Sell, em sua introdução sobre essa narrativa que pertence a todos os tempos, referiu-se a ela como “fábula, maravilhosa e verdadeira, em todas as épocas e climas. As circunstâncias nas quais foi estabelecida, os tipos humanos que apresentava, a situação a que aludia, tudo isso é encontrado na história de todos os tipos de homens e quaisquer que sejam as situações em que se encontrem. Ao deixar completamente à parte a sua importância moral, e considerá-la apenas narrativa, nunca se tornará sem sabor, antiquada, e nunca envelhecerá. Tudo isso, simplesmente, porque é composta dos elementos da verdade eterna e, de forma clássica, resume toda a administração da conduta humana”.
Há escritores que dizem que o que temos nesse trecho não é exatamente uma parábola. A forma de representação por meio de figuras não é como nas parábolas que já analisamos, as quais usam de simbolismo, mas simplesmente expõem um exemplo concreto. O ponto de vista de Goebel, que Salmond menciona, é o seguinte: “Temos aqui a primeira parábola representativa que faz contraste com as simbólicas, porque ilustra o seu ponto, e não usa de símbolos, como a maioria das outras parábolas de Jesus, mas simplesmente utiliza exemplos”. Cristo não usou símbolos, tomados da natureza ou dos costumes, mas a partir de acontecimentos reais. Cremos também que a narrativa fora adotada por Jesus, para manifestar uma verdade específica. Concordamos com Lang, quando ele diz que é “uma das parábolas mais grandiosas e representativas do nosso Senhor. É tão simples que até uma criança pode captar o seu significado; no entanto é, na verdade, um tratado de ética prática mais profundo e mais poderoso em seus efeitos do que qualquer outro no mundo […] Estamos tão familiarizados com essa parábola, que não enxergamos a grandiosidade da sua combinação de simplicidade e profundidade, e também a grandiosidade do apelo que tem sobre nós”. Descobriremos que não há uma analogia espiritual para cada imagem na narrativa. O quadro todo é simplesmente um exemplo para ilustrar o agir da benevolência, em contraste com o egoísmo.
A conversa de Jesus com o doutor da lei, diálogo esse que deu origem à parábola, não deve ser confundida com o contacto que ele teve com outro doutor da lei (Mateus 19:16, Marcos 12:28-34, Lucas 18:18). Na ocasião, aparentemente paralela, em Marcos 12:28-34, o nosso Senhor juntou duas passagens famosas do AT quando deu a resposta à pergunta do escriba (Deuteronômio 6:4, Levítico 19:18), e Straton diz que “Lucas começa a sua narrativa onde Marcos terminou”. Mas o doutor da lei, nessa parábola, fez mais perguntas do que o seu companheiro escriba. “Por uma questão de lógica”, diz Arnot, “essa parábola pode muito bem ser combinada com a do Credor incompassivo. Formam um par; essa última nos ensina a perdoar o que nos ofende, e a que analisamos agora nos ensina a ajudar o que foi ofendido”.
A narrativa no grego começa com o vocábulo idoú. Quando esse termo é traduzido como “eis que” (expressão omitida em alguns traduções), nas Escrituras, devemos estar atentos; “ele mostra que devemos dar uma atenção especial ao que vem em seguida, como contendo verdades nem sempre aparentes na superfície ; porém, que requerem uma investigação cuidadosa, e meditação com oração, verdades que devem ser descobertas como se busca um tesouro escondido”. Devemos compreender que, quando Jesus mostrou a falta de coração do sacerdote e do levita e, por outro lado, o comportamento correto do samaritano, ele não disse que todos os líderes religiosos eram cruéis e nem que todos os samaritanos tinham coração terno. Não há dúvida de que havia sacerdotes e levitas bondosos; por outro lado, havia muitos samaritanos maldosos. Alguns deles não permitiram que Jesus e os seus discípulos passassem a noite em suas vilas, quando estavam cansados e precisavam de alívio (Lucas 9:53). E foi o levita Barnabé, chamado Filho da Consolação, que vendeu tudo o qual tinha para ajudar os irmãos mais pobres Atos 4:36.
A parábola de Cristo foi endereçada a um judeu e elaborada dessa forma, como nos lembra Arnot, “para desferir um só golpe nos dois pilares, sobre os quais a vida vazia do judeu daqueles dias se apoiava”. Eles confiavam em si mesmos, consideravam-se justos e desprezavam os outros. Jesus não fazia qualquer distinção de pessoas; portanto, não deixaria passar despercebida a bondade de um, nem apoiaria a crueldade do outro. Portanto, ele elaborou essa parábola para humilhar a confiança que o doutor da lei tinha em seu próprio senso de justiça, por ter nascido judeu e, ao mesmo tempo resgatar o samaritano da posição de mau, que estava aos olhos do doutor da lei, e exaltá-lo por sua compaixão. Da mesma forma que aquele samaritano ferido de lepra, que fora o único dos dez curados (os outros nove eram judeus), também esse da nossa parábola louvou ao Senhor pela sua cura. Aqui a narrativa nos apresenta um samaritano mais benevolente para com o necessitado do que as outras personagens, e as expressões de sua compaixão, cheia de atenção, foram mencionadas por Jesus. Ele nos dá aqui uma bela imagem, em alto relevo, da bondade do samaritano. “Ele veio até onde ele estava, teve compaixão, atou-lhe as feridas ao derramar azeite e vinho sobre elas, colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o até a uma hospedaria, e cuidou dele. De manhã, ao partir, tomou dois denários e os deu ao hospedeiro, e lhe disse: ‘Cuida dele, e tudo o que de mais gastares com ele eu te pagarei quando voltar’.
A descrição de como Cristo interpretou parabolicamente a fraternidade dos homens, demonstrada na caridade com relação aos necessitados de ajuda, foi resumida; mas, ao mesmo tempo, abrangente. O sacerdote e o levita passaram pelo homem semimorto, mas o bom samaritano foi até ele e, ao ver o seu corpo espancado, machucado, teve compaixão e prestou-lhe socorro rápido e eficaz. O bom samaritano fora sábio com relação à sua viagem através de uma região hostil, e incluíra em sua bagagem atadur as, azeite e vinho. O , azeite era bastante usado pelos antigos como remédio, no uso externo, para aliviar a dor de ferimentos abertos (Isaías 1:6). O vinhotambém era utilizado como medicamento, para ser aplicado externamente em ferimentos e machucados. Após limpar os cortes e estancar o sangue, o alívio que o homem realmente precisava, o bom samaritano continuou incansavelmente a prestar-lhe ajuda. Ele o levantou semimorto e colocou-o sobre o seu próprio animal. Não há referência às mulas do sacerdote ou do levita, uma vez que não havia razão de mencioná-las. O bom samaritano renunciou ao seu próprio animal e foi a pé, a fim de conduzir o ferido até uma hospedaria na estrada. Passou a noite ali, com o viajante que resgatara; pagou para que fosse cuidado; e prometeu voltar e reembolsar ao hospedeiro as demais despesas de comida e abrigo para o homem debilitado.
Seria de esperar que o trio da narrativa fossem o sacerdote, o levita e o judeu, ou israelita; porém a substituição por um samaritano foi um toque de mestre, e Jesus, após concluir a sua parábola, fez uma pergunta direta ao doutor da lei que interrogara: “E quem é o meu próximo?” Na verdade Cristo devolveu a pergunta ao doutor da lei, ao forçá-lo a decidir quem era o verdadeiro próximo do homem que caíra nas mãos dos ladrões. O que mais ele poderia dizer além de: “O que usou de misericórdia para com ele”? Jesus então fez a correta aplicação: “Vai, faze da mesma maneira” que, na verdade, significa: “Tu também da mesma maneira mostra misericórdia, e também tornar-te-ás, com esse procedimento, o próximo daquele a quem mostraste misericórdia”. A continuação da parábola e o seu ensinamento em essência foram para mostrar que o mandamento divino de amarmos o nosso próximo como a nós mesmos é cumprido quando nos empenhamos constantemente em ajudar o necessitado, sem perguntar primeiro quem ele é, e qual é a posição dele em relação a nós. O samaritano provou ser verdadeiramente um próximo, porque esse sentimento revela-se através da misericórdia.
O princípio fundamental de conduta humana, de filosofia de vida, que essa parábola contém para nós é a mesma pergunta que o doutor da lei fez: “E quem é o meu próximo?” Como podemos distinguir quem é o nosso próximo? Cosmo Lang diz: “Tenha um espírito que vise sempre o interesse do próximo, e então cada pessoa será o seu próximo”. Alguém que precisa de nós, é o nosso próximo, não importa o seu grupo étnico ou religioso. “O verdadeiro sentimento, de ser o próximo, não é uma questão de proximidade física, de local, mas de amor”. A verdadeira pergunta não é tanto: “Quem é o meu próximo”, mas “Eu sou um próximo, verdadeiramente?”
Achamos que os nossos próximos são os que moram do nosso lado. Mas, tanto nós como eles, podemos agir de maneira extremamente inversa ao verdadeiro sentimento de sermos próximos uns dos outros, e achamos mais fácil amar e ajudar os que estão distantes, do que os que estão perto de nós. E no entanto esses são os nossos próximos. No AT, no decorrer da Páscoa havia a seguinte determinação: “Mas se a família for pequena para um cordeiro, então convidará ele o seu vizinho mais próximo, conforme o número das pessoas” (Êxodo 12:4). Habershon diz: “O nosso próximo é aquele com quem podemos dividir o Cordeiro. Temos próximos de ambos os lados: os que são salvos e os que não o são; aqueles a quem podemos oferecer ajuda no tempo da aflição e aqueles com quem podemos manter comunhão”.
Mas o ensinamento da parábola de nosso Senhor é que “estar próximo fisicamente não faz de ninguém um próximo no sentimento”, como Butterick. “O sacerdote e o levita estavam próximos quanto ao grupo étnico e ao seu trabalho, e o samaritano, quanto ao seu grupo étnico e ao seu trabalho, estava bem distante. As pessoas podem morar perto umas das outras, separadas apenas por uma estreita parede e, apesar disso, não serem próximas umas das outras. As pessoas podem morar sem separação entre si e ainda não serem próximas umas das outras. Somente os olhos e o espírito do samaritano conseguem a atitude correta de ser próximo”. A medida que caminhamos nessa vida, e casualmente nos deparamos com os que, desesperada e urgentemente, precisam de ajuda (espiritual, física e material), esses são os nossos próximos, e esses são os que o próprio Bom Samaritano deseja que ajudemos.
Uma palavra final se faz necessária com relação às várias aplicações dessa parábola. Na parte introdutória, que chamamos de Os erros e acertos da interpretação de parábolas, mencionamos como Agostinho lidou com essa parábola de forma tão fantasiosa, maneira essa que foi, até certo ponto, ampliada por Keach. Mas, ao deixar de lado as alegóricas interpretações forçadas, existe uma aplicaçãolegítima para a parábola. Porventura não considerou Deus a humanidade o seu próximo? Ao perceber um mundo de pecadores desprovidos de sua verdadeira natureza, destituídos de ideais divinos, feridos pelos pecados, e incapazes de se levantar, o Verbo se fez carne, habitou entre nós, e deu ao mundo um exemplo equivalente ao do misericordioso samaritano no que se refere ao agir. Por meio de sua morte e ressurreição, Cristo veste a nossa nudez, ata as nossas feridas e as cura com o bálsamo extraído de seu próprio coração partido. Ainda mais, ele nos coloca num lugar seguro, supre as nossas necessidades e prometeu voltar e levar-nos para si mesmo. Essa parábola é, dessa forma, radiante da beleza do evangelho de Cristo que, em sua vida e morte, cumpriu todas as características apresentadas por ela.
A Edição Pastoral da Bíblia comenta a passagem por meio de um Nota de Rodapé a Lucas 10:25-37, que destaca que:
- o primeiro a colocar obstáculos no caminho de Jesus é um teólogo, que, apesar de reconhecer que o amor total a Deus e ao próximo é que leva à vida, pretendia estabelecer limites para o amor ao indagar sobre quem seria qualificado como próximo;
- Jesus, por meio da parábola coloca a seguinte questão: “O que você faz para se tornar próximo do outro?”, pois não basta saber o caminho da salvação, para ser salvo é preciso amar concretamente;
- a parábola ensina que o próximo é quem se aproxima do outro para lhe dar uma resposta às suas necessidades, sem levar em conta barreiras de raça, religião, nação ou classe social;
- o próximo é aquele quem eu encontro no meu caminho.
A Bíblia de Jerusalém comenta essa Parábola por meio de Notas de Rodapé e indicações de paralelismo a Lucas 10:25-37, nas quais observa que:
- a questão dos dois principais mandamentos, suscitada em Lucas 10:25-28, também é objeto de Mateus 22:34-40 e Marcos 12:28-34;
- no Antigo Testamento, o mandamento de “Amar a Deus”, está em Deuteronômio 6:5, enquanto que o mandamento de “Amar ao próximo” está em Levítico 19:18;
- a expressão “[…] faze isso e viverás”, empregada ao final de Lucas 10:28, tem antecedente no Antigo Testamento em: Levítico 18:5;
- a segunda pergunta (“Quem é o meu próximo?”) foi feita para justificar a primeira, a qual isoladamente não se justificaria, pois o próprio interlocutor já saberia da resposta;
- existem duas passagens nos Evangelhos Canônicos que evidenciam a rivalidade entre judeus e samaritanos naquela época: Lucas 9:53 e João 8:48;
- existe um episódio no Antigo Testamento (narrado em II Crônicas 28:5-15) no qual os samaritanos foram misericordiosos para com os judeus.
A Bíblia do Peregrino comenta essa Parábola por meio de Notas de Rodapé a Lucas 10:25-37, nas quais observa que:
- trata-se de parábola precedida de um diálogo com um “letrado”;
- a pergunta do letrado tem um tom de religiosidade deuteronomista, segundo a qual: “para viver é preciso cumprir”;
- no Antigo Testamento, o termo “herdar” costumava estar associado à terra, mas, no contexto, tem outra perspectiva que seria a vida perpétua no mundo novo;
- a resposta do letrado seria a síntese de todos os seiscentos e treze preceitos da “lei” em dois: amor à Deus e amor ao próximo;
- o homem consegue a plenitude da vida saindo de si: para Deus e para o próximo como termos correlativos;
- os dois mandamentos não são somente a síntese, mas também a alma de todos os outros: somente o amor dá sentido à lei e a justifica;
- sob a perspectiva do Levítico, o próximo eram os israelitas, tal perspectiva não é diferente no Deuteronômio, que se refere aos israelitas quando emprega o termo irmãos;
- os doutores da lei excluiriam pecadores e não observantes do conceito de próximos, o que lhes permitia decidir quem era e quem não poderia ser tido como próximo;
- o termo “samaritano” equivalia a um insulto entre os judeus;
- o termo “levita” designa era um membro da camada inferior do clero;
- há passagens no Antigo Testamento que criticaram os membros do clero por somente se preocuparem com os rituais e desprezarem a ajuda ao próximo, tais como: Isaías 1:10-20, Jeremias 7:, Salmos 50: e Eclesiástico 34:18 a Eclesiástico 35:10;
- “próximo” é uma tradução de “plesíon” em grego que em hebraico corresponde a “vizinho” ou “amigo”, ou seja, designa uma relação recíproca;
- para Jesus o próximo é aquele que se comporta com tal, é preciso tomar a a iniciativa, é preciso torna-se próximo do necessitado;
- Jesus prefere ensinar narrando um fato concreto do que por meio de teorias;
- o azeite suaviza e protege a ferida, o vinho contém álcool e por isso é um agente desinfetante;
- destaca o paralelismo da mensagem final (Lucas 10:37) com Isaías 61:1 e Provérbios 14:21.
A Tradução Ecumênica da Bíblia comenta essa Parábola por meio de Notas de Rodapé e indicações de paralelismo a Lucas 10:25-37, nas quais observa que:
- existe um paralelismo entre Lucas 10:25-28 e: Mateus 22:34-40 e Marcos 12:28-34, mas nos Evangelhos de Mateus e de Marcos essa mensagem é apresentada como se fosse proferida nos últimos dias de Jesus em Jerusalém, por outro lado, no Lucas, essa mensagem é apresentada como se fosse proferida no começo da viagem de Jesus, e, desse modo, encabeça os ensinamentos dados aos discípulos, além disso Lucas complementa a lição acrescentando a Parábola do Bom Samaritano, que esclarece o conceito de “próximo”;
- a pergunta é feita por um “legista”, que são objeto de referência no Evangelho segundo Lucas também em Lucas 7:30, Lucas 11:45-52 e Lucas 14:3 e no Evangelho segundo Mateus em Mateus 22:35; trata-se de referência aos escribas, aos “doutos”;
- na perspectiva apresentada no Evangelho segundo Marcos, o escriba não está longe do Reino de Deus; Mateus apresenta o legista como alguém que arma uma cilada para Jesus; Lucas apresenta o escriba como alguém que testa Jesus, mas Jesus encontra nele um interlocutor bem intencionado (cf. Lucas 10:27-28 e Lucas 10:35;
- na perspectiva apresentada nos Evangelhos de Mateus e de Marcos, a pergunta é feita em um contexto judaico, pois busca saber qual o primeiro ou o maior mandamento (em um contexto no qual existem muitos mandamentos), por outro lado, Lucas apresenta a indagação como feita para saber qual o mandamento fundamental para “receber em herança a vida eterna”, o que seria uma formulação mais significativa para seus leitores, também empregada em Lucas 18:18;
- na perspectiva apresentada no Lucas, Jesus inicialmente, devolve a pergunta ao seu interlocutor (Jesus adotou estratégia semelhante também em Lucas 20:3), trata-se de uma estratégia útil para que seu interlocutor tome uma posição por si mesmo;
- para referir-se ao mandamento de “Amar a Deus”, o escriba emprega o teor de Deuteronômio 6:5 acrescido da expressão: “com todo o teu pensamento”, que não aparece no texto em hebraico, mas aparece em algumas traduções em grego (língua na qual foi escrito o Evangelho segundo Lucas), tal acréscimo se justifica para complementar o significado da expressão “com todo o seu coração” em hebraico na tradução para o grego;
- para referir-se ao mandamento de “Amar ao próximo”, o escriba emprega o teor de Levítico 19:18;
- o fato da pergunta ser respondida pelo próprio escriba, com base em passagens do Antigo Testamento, demonstra a compatibilidade dos ensinamentos de Jesus com o que já estava escrito;
- a segunda pergunta (Quem é o meu próximo?) foi feita para justificar a primeira, a qual isoladamente não se justificaria, pois o próprio interlocutor já sabia da resposta;
- para um judeu daquele tempo, o próximo seria qualquer integrante de seu próprio povo, excluindo os estrangeiros (cf. Êxodo 20:16-17, Êxodo 21:14, Êxodo 21:18, Êxodo 21:35, Levítico 19:11, Levítico 19:13 e Levítico 19:15-18); razão pela qual especula-se que a pergunta tenha sido inserida pelo próprio Lucas (ainda que atribuída ao interlocutor) como introdução para a Parábola do Bom Samaritano;
- Jesus responde a questão posta com uma Parábola assim como fez em: Lucas 7:40-43 (Parábola dos Dois Devedores), Lucas 14:16-24 (Parábola do Banquete), Lucas 15:3-32 (Parábola da Ovelha Perdida, Parábola da Dracma Perdida e Parábola do Filho Pródigo; pois por meio de exemplos apresenta atitudes a imitar ou a evitar, assim como fez em: Lucas 12:16-21 (Parábola do Rico Insensato), Lucas 14:28-32 Contando o custo, Lucas 16:1-8 (Parábola do Mordomo Infiel) e Lucas 18:9-14 (Parábola do Fariseu e do Publicano), e desse modo apresenta uma exortação que convida a ter uma nova atitude (cf. Lucas 10:36-37);
- a estrada entre Jericó e Jerusalém tinha aproximadamente 25 Km e atravessava o deserto de Judá e naquela época seria infestada de bandidos;
- as referências ao sacerdote e ao levita serviriam para dar maior valor a atitude do samaritano;
- nessa Parábola aparecem três personagens paralelos (o sacerdote, o levita e o samaritano), assim como na Parábola do Banquete (Lucas 14:15-24), na Parábola dos Talentos (Lucas 19:11-27) e na Parábola dos Lavradores Maus (Lucas 20:9-15);
- o socorrido é um judeu;
- naquele tempo o azeite era utilizado para acalmar a dor (cf. Isaías 1:6) e o vinho para desinfetar as feridas;
- a tradução literal da resposta do legista (Lucas 10:37) seria: “que faz a bondade com ele”, e esse é o cerne da lição proposta: “o próximo é todo homem que se aproxima dos outros com amor, mesmo quando eles são estrangeiros ou hereges. Ninguém mais deve perguntar como o legista: Quem é o meu próximo? mas: Como serei eu o próximo de todo homem?“, trata-se de uma superação do velho particularismo judaico;
- o verbo “fazer” que foi empregado na pergunta inicial (v. 25), na resposta inicial (v. 28) e duas vezes no versículo final (v. 37), indica o realismo que se impõe à caridade dos discípulos.
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